Saturday, November 18, 2006

Visita Guiada

Hoje acordei com a sensação que tudo ia ser diferente... Tinha combinado ir almoçar com dois ex-estagiários do escritório que, por variadas razões decidiram abandonar-nos e ir trabalhar para Timor. Como são duas pessoas que conheço relativamente bem, sabia que ia ser um dia bem passado e, pelo menos por uma vez, iria ter oportunidade de falar mais à vontade com quem por cá vive e, quem sabe, ver um pouco da ilha.

À hora combinada lá apareceram os meus “guias”, que me levaram a almoçar a uma praia perdida para lá do famigerado mercado de Comoro (cenário dalguns dos piores conflitos dos últimos tempos) onde existe um pseudo-hotel de nome “Ocean View Hotel”. Quanto ao mercado de Comoro, como poderão ver pela foto, não passa de uma estrada com bancas de venda de fruta, legumes, etc., dos dois lados. Das vezes que por lá passei não havia sinais de conflito, só gente idosa, com ar cansado e triste, a fazer pela vida na venda.

Quanto ao “Ocean View”, não passa de um edifício que tem um alpendre no rés-do-chão onde funciona um restaurantezeco muito simples, mas que acabou por fazer umas boas gambas grelhadas, e uma óptima banana frita com gelado (não consegui conter-me...). A melhor parte do “Ocean View” é exactamente, a vista do oceano. O “hotel” fica em cima de uma praia completamente deserta, com vista para o ilhéu de Atauro. A única companhia que o hotel tem são as palmeiras, um barco abandonado na areia, e os porcos e cabras (que andam por todo o lado). A almoçar naquele Sábado, apenas nós os três e dois funcionários da ONU que, pela conversa, deviam ser mais ou menos clientes habituais. De resto, tanto o “hotel” como o restaurante estavam às moscas... um país com tanto potencial turístico, e sem infra-estruturas absolutamente nenhumas... desperdício.

A seguir ao almoço, os meus companheiros levaram-me a dar uma volta a Dili e arredores (não muito longe porque não têm jipe e as estradas do interior são más). Fiquei com uma impressão geral de que, de facto, Timor tem um potencial enorme por explorar. Paisagens de postal, nada construído a estragar a paisagem... só espero que quando o desenvolvimento chegar (e tem de chegar mais cedo ou mais tarde), se construa com cabeça e se aproveite a beleza natural... a última coisa que esta gente precisa é de herdar outra pérola portuguesa como a “arquitectura” e conceito de desenvolvimento algarvio...

Em Dili, tive a oportunidade de visitar o cemitério de Santa Cruz (palco do famoso massacre de 1991 que abriu os olhos da comunidade internacional para Timor). Não há palavras para descrever o cenário. As campas estão amontoadas umas em cima das outras, quase que não há espaço para circular, dá para imaginar a aflição daquela gente quando se aperceberam que tinham entrado numa cilada, que iam ser massacrados, e que não tinham para onde fugir, nem onde se esconder...

Alguns bairros perto do cemitério foram alvo dos piores ataques durante os conflitos recentes. Nem respeito pela proximidade do que se tornou num dos símbolos de unidade durante os tempos da resistência pesou na consciência daquela gente... enfim. As casas continuam queimadas, os sinais de destruição bem evidentes... as pessoas recusam-se a regressar, têm medo, viveram o terror durante a ocupação, viveram o terror após o referendo, e agora viveram o terror de ver os conterrâneos, os vizinhos, queimarem-lhes as casas e tentarem matá-los... as pessoas têm medo, não querem regressar, é o instinto de sobrevivência a falar mais alto... compreende-se!

Também visitámos o mercado dos Tais (panos típicos timorenses), onde aproveitei para aprender como é que são feitos, e para comprar umas recordações. A foto não é minha, mas os meus companheiros certamente perdoarão o furto...

Mais para o lado, praias desertas, o “Cristo Rei”, construído durante a ocupação indonésia... pelos indonésios... estranho! A verdade é que parece que os timorense, tão religiosos que são, não ligam muito ao senhor de braços abertos... há coisas que não se esquecem, e os anos da ocupação ainda estão demasiado frescos na memória. Pelo caminho, dois “símbolos nacionais”, um porco “gigante” (andam por toda a parte e até metem medo, como podem ver pela foto), e a casa do agora Primeiro Ministro Ramos Horta, um belo complexo construído segundo a arquitectura tradicional da ilha... não se assustem, não é resultado de corrupção, parece que já pertencia aos pais dele há muitos anos. Também no percurso, tivemos oportunidade de assistir ao único acto de violência enquanto estive em Timor: uma cabra saltou dum descampado ao lado da estrada e enfiou uma cornada na porta dum taxi que ia à nossa frente!!! Devia ser uma cabra loromono a atacar um taxista lorosae... ou qualquer merda do género...









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