Tuesday, February 06, 2007

Já que se fala em aborto...

Infelizmente não vou estar em Portugal para votar no referendo relativo à despenalização do aborto (chamemos as coisas pelos nomes, já enjoa inventar nomes como “interrupção voluntária da gravidez” só para não chocar...). Digo infelizmente, não porque seja fundamentalista do sim ou do não, mas sim porque tenho todo o gosto e orgulho em exercer o meu direito de voto, nem que seja em branco. Se querem saber, neste momento, sei bem para que lado é que votava: votava sim. No entanto, não sei se alguma vez seria capaz de tomar a decisão que muitas mulheres são forçadas a tomar por variadíssimas razões. De facto, penso que ninguém pode dizer que, se fosse com ele/ela, faria ou deixaria de fazer... e a futurologia complica-se quando se é pai... pois é, antes era tudo fácil... e agora que já se experimentou o milagre da vida... comé?

Não me interpretem mal... não dei em fundamentalista do não, continuo a achar que a escolha cabe a cada uma já que, afinal de tudo, vivemos em democracia. Também não concordo com o argumento da treta dos defensores do não, que dizem que o pai da criança também deve decidir... é muito fácil dizer isso quando não é o pai que transporta a criança no ventre nove meses, que corre risco de vida no parto, que sofre as dores, que tem de amamentar, que tem depressões pós-parto e que, fruto da sociedade em que vivemos, muitas vezes tem de tentar refazer a vida após os míseros 4 ou 5 meses que tem de licença de maternidade.

Chegado a este ponto, não posso deixar de me indignar! Confesso que tenho acompanhado a campanha um pouco ao longe, mas tenho tentado manter-me informado. E não deixa de chocar-me, novamente (há uns anos atrás foi a mesma coisa), com as tácticas verdadeiramente demagógicas e terroristas dos adeptos do não. Fiquei em estado de choque ao ler que um jardim de infância (Centro Paroquial da Anunciada) financiado pela segurança social (portanto com o dinheiro de todos nós, dos cidadãos de um Estado laico), fez propagando pelo não através das crianças! Os animais (sem ofensa para os verdadeiros animais que não têm culpa das palavras que os seres humanos escolhem para descrever pessoas verdadeiramente asquerosas) que são responsáveis pelo colégio (por sinal padres...) enviaram uma carta para casa das crianças através dos pequeninos, cujo teor enoja! Entre as magníficas passagens dessa carta “escrita” por um feto abortado à mãe contam-se as seguintes:

"Querida Mamã. Apesar de tu não teres querido que eu nascesse, não posso deixar de te chamar "Mamã". Escrevo-te do mundo do além, para te dizer que estava muito feliz quando comecei a viver no teu seio. Eu desejava nascer, conhecer-te. E pensava que um dia seria uma criança muito alegre" (...)
"Mas tu não pensavas como eu, não é verdade Mamã? E um dia, quando estava tão feliz a brincar no mais íntimo das tuas entranhas, senti algo muito estranho, que não saberia como explicar: algo que me fez estremecer. Senti que me tiravam a vida. Uma faca surpreendeu-me quando eu brincava feliz e quando só desejava nascer para te amar".

Por favor!!! Outra vez não! Já não bastava a campanha do “salvem o zézinho”... Qualquer que seja a posição que se defenda, há uma verdade inegável, sempre que tem havido um referendo sobre o aborto, os apoiantes do sim têm evitado (na sua maioria) o verdadeiro terrorismo e demagogia, enquanto que os apoiantes do não têm liderado campanhas, no mínimo vergonhosas e de mau gosto.
No outro dia recebi um ficheiro power point de uma amiga, abri porque a maior parte das coisas que me enviam faz-me rir... fiquei chocado com o conteúdo e, como é óbvio, ignorei o pedido habitual de “reencaminhem para os vossos contactos”. Entre outros argumentos maravilhosos para votar “não” no referendo, destaco a comparação feita entre o aborto legal feito num Estado democrático e o aborto forçado efectuado nas mulheres judaicas nos campos de concentração nazi (!!!), e a fabulosa declaração de que “nalguns estados dos Estados Unidos, depois da liberalização do aborto, chegou-se ao infanticídio” (!!!) Mais uma vez, muito mau gosto, mentiras e, sobretudo, falta de respeito por quem sofreu horrores no holocausto, vindo, curiosamente, de alguém que se intitula Católico... Mais adiante, o autor do ficheiro de power point (que não teve vergonha em se identificar e indicar o endereço do seu blog – eu, no lugar dele, teria vergonha), vem falar na necessidade de apoiar as mulheres, educação sexual, etc. Não poderia concordar mais com ele... curioso é que, sempre que se fala em educação sexual, seja a igreja católica e a maior parte das forças que apoiam o não a opor-se ruidosamente... e que a maior parte dos defensores do não sejam exactamente os mesmos que, sistematicamente, diminuem os direitos das trabalhadoras, defendem a redução da segurança social e do papel do Estado na saúde, cuidados a pessoas desfavorecidas, etc. Isto, a mim, cheira-me a falta de coerência. Já agora deixo um pedido a todos: NÃO ME ENVIEM PROPAGANDA POLÍTICA, OK??? Eu tenho as minhas ideias, tenho as minhas crenças, tenho as minhas posições ideológicas... mas não tento impingi-las aos meus amigos! Aliás, isso é que faz com que consiga ter amigos de todo o espectro político, e dar-me bem com todos.

Já agora, para os curiosos, se fosse mulher, se estivesse grávida, será que eu abortava? A resposta, à primeira vista, é simples: tendo sido pai há cerca de 17 meses, tendo pegado na Carolina ao colo quando ela tinha 34 semanas e parecia um ratinho, tendo passado três semanas numa unidade de neonatologia onde os prematuros lutam pela vida (felizmente não era o caso da minha pequenina), tendo visto o drama dos outros pais, sabendo o que custa estar longe dos filhos, conhecendo a alegria que é ser pai... a resposta é NÃO! Não abortaria! Mas cá está, eu conheço o lado alegre da história, nunca passei fome, não trabalho numa fábrica, não tenho um patrão que me vai despedir porque fui pai, não vivo na miséria, não tenho a 2ª ou a 3ª classe, logo, como em tudo na vida, sei reconhecer que as minhas escolhas são moldadas pela minha vivência, e que não é justo julgar os outros pelos meus padrões... Aliás, vivi de perto o drama dos outros. Lembro-me vivamente duma mãe da Damaia que teve gémeos que tiveram de ser transferidos para a unidade de neo-natologia do Hospital Garcia de Horta porque não havia lugar no Santa Maria. Lembro-me do aspecto da mãe, lembro-me do facto dela não ter dinheiro para apanhar o autocarro para ir visitar os filhos, lembro-me dela dizer, cerca de dois dias após o parto, que tinha de ir trabalhar senão não havia dinheiro lá em casa... pois é... façam mais blogues, mais power points, defendam a redução do investimento na saúde e na segurança social, depois venham falar-me em responsabilidade social, em educação sexual, e em ajudar os desfavorecidos... crucifixos não se comem meus amigos, e defender que alguém foi concebido sem sexo não é educação sexual! Querem falar de natalidade, e de crianças, e de partos? Passem 3 semanas numa unidade de neo-natologia dum hospital público, vejam o que passa por lá (sim, porque há de tudo), depois falamos, OK??!

E já agora, leiam a tese de final de curso do Álvaro Cunhal sobre o aborto. Não se preocupem, não vão para o inferno por lerem um livro escrito por um comunista! Há uma lição importante a retirar do livro, independentemente de se discutir se nos países que liberalizaram o aborto esta prática aumentou ou diminuiu, há um facto constante: diminuíram as mortes de mulheres que abortaram... para mim, isso é o suficiente, já que eu sou a favor da vida!

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